Deixa queimar...

Pena Solta - By Lia Santos
Deixa queimar...

Hoje eu deixei cair o meu coração, e enquanto ele caía, tu surgiste para reivindicá-lo... Estava escuro e eu estava farta de promessas duma vida que não passavam de palavras quando me pegaste de leve, embalas-te nos teus braços e a sinceridade que me tentaste mostrar... o teu beijo nos meus lábios salvou-me, as minhas mãos eram fortes nesse momento para segurar o mundo, mas meus joelhos eram muito fracos para permanecer nos teus braços sem cair aos meus pés.

Mas havia um lado em ti, que eu nunca soube... nunca pensei...não quis acreditar. Todas as coisas que tu dizias, nunca foram verdade, nunca foram verdade ao ponto de mudares a vida. E os jogos que tu jogavas, sempre ganhaste... sempre ganhaste a  tua forma de vida. Mas eu ateei fogo à chuva nesta noite e fiquei vendo ela cair enquanto tocava seu rosto com palavras de magoa...magoa que provam as promessas ilusivas. Ela queimava enquanto eu chorava por uma história que desejava tanto ter escrito. Porque eu a ouvi gritando o teu nome... teu nome, noutra voz que não a minha, noutra vida  que era a real...ai soube que eu não passava da fantasia.
Quando me deito, com a tua alma eu poderia ficar lá, fechar meus olhos, sentir-te aqui para sempre. Mas é apenas sonho ou ilusão. Tu e eu juntos, nada é melhor mas talvez noutra vida, porque nesta já tens um destino traçado e é nele queres continuar. Senti-me feliz com meras palavras de um dia ficar para sempre. Senti-me realizada pela sinceridade que a tua alma apresentava junto de mim. Senti-me livre do mundo quando de pequenas horas fizeste uma vida. Mas até a chuva me cair na cara e acordar com ela a queimar o meu coração.
Porque há um lado em ti, que eu nunca soube, nunca pensei ser apenas uma das tuas fantasias em horas vagas, e saber que alem da tua vida crias historias fora dela sem pensar que um dia a chuva ira cair em todos os rostos. E nos atira às chamas. Sentia que algo morreu, sabia que algo não estava certo, porque nada pode ser tao perfeito duma vez só. Porque sabia que era a última vez, a última vez que iria sonhar. Às vezes acordo ao lado da porta que me separa de ti, esperando ter a chave. Mas caí em mim e nem a porta tenho...apenas tenho promessas feitas de letras escritas no ar.
Aquele coração que tu apanhaste deve estar esperando por ti. Não deixes a chuva cair no rosto dele. Mesmo agora, quando já termina-mos, não posso evitar ficar a procurar, mesmo que seja na fantasia na esperança que acordes para a realidade, desejo-te tudo, mas também não te desejo nada! Porque palavras são um conjunto de letras que dão sentido a algo que se quer transmitir, e tu não tens nada para dar alem de fantasias perdidas no tempo.
Hoje procuro ar puro, procuro tempo e um espelho para me voltar a encontrar. Aquela menina que sonhava com um cavalo branco hoje foi queimada pela chuva. Não quero voltar, não quero sentir mais, não quero sonhar assim. Quero a realidade de palavras sentidas. Quero a vida pura e com cores. Quero viver sem escuridão. Quero o que me pertence: apenas tu. Sabias que eras, que tinhas a minha alma, sabias que estava aqui, tapada pela tua mentira. Hoje tudo faz sentido, tudo tem um sentido, tudo nunca foi nada. Ainda recordo a voz da tua vida...a vida onde não pertenço. Aquela que nunca foi desejada na verdade, apenas fazia parte das horas vagas que a tua vida tinha. Agora...agora sei o meu lugar, e apesar de saber o teu sei que não posso mudar o que a vida escreveu. Então que venha a chuva, e... deixa queimar…


Lia Santos
Lisboa 


(Lia Santos escreve todas as quartas-feiras a rubrica Pena Solta, pensamentos da alma)  



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