Em memória da Ana

Criticas Soltas - by Joana Teófilo Oliveira
Em memória da Ana
Mesmo tendo presente a justificadíssima cirurgia plástica reconstrutiva em vítimas de cancro da mama, apresso-me a concluir que a aldrabice de um produtor de implantes mamários despertou mais alarmismo mas menos indignação do que despertaria a aldrabice de um produtor de próteses para vítimas de minas anti -pessoais.






Esta diferença que postulo é explicada por um estatuto de exclusividade que reservamos para a beleza: ao contrário de tudo o resto, cuja apreciação é proporcional ao esforço, a beleza física é tanto mais valorizada quanto menos esforço implicar. Daí que o acto de cirurgia plástica (não reconstrutiva) se queira discreto, embora de efeito notado. De concretização difícil em situação normal, este objectivo torna- se impossível quando várias notícias e depoimentos de cirurgiões, ainda que bem intencionados, fazem das mulheres automóveis a circular com peças defeituosas, que são um perigo ou talvez não - e eu, antes apenas familiarizado com a “vergonha alheia”, passei a conhecer o “pudor de espécie”.
São várias e de grande penetração no imaginário popular as teorias evolutivas que explicam o tamanho excepcional da mama na mulher, quando comparada com outros mamíferos fêmea, se importa mais na atracção sexual ou como almofada para o bebé descansar, etc. E vem depois a Antropologia, que concilia a maminha da Vénus do Milo com a farta mama da Dolly Parton.
Mas nada disso importa muito. Este episódio dos implantes com defeito lembra-nos sobretudo que o progresso nos liberta da natureza à custa de uma interdependência crescente entre os indivíduos, cada vez mais entranhada no corpo.
A estética valerá esse sacrifício? Julgo que não. A Ana, uma das melhores amigas de infância lá no Norte, quis meter umas mamas grandes para agradar ao namorado. Quis muito, por ele, nunca por ela. O resultado? Foi morta com um tiro num dos seios por esse namorado a quem ela quis tanto agradar com o seu corpo. E porquê? Porque no sábado atreveu-se a usar um decote maior do que devia. Atraiu assim olhares de outros homens. Com raiva, com ciúme, o namorado resolveu mata-la e a gritar bem alto: “Não devias meter essas mamas. Pareces uma p...”.
Tenho saudades tuas, Ana.

Até sempre amiga



Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo 


(Escreve todas as segundas-feiras na rubrica Criticas Soltas)




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