Criticas Soltas - by Joana Teófilo Oliveira
A família Esperança...
A família Esperança...
No caso do homem que matou a mulher, a filha e a neta à catanada, em Beja, e se suicidou na prisão, fica-nos a dúvida sobre se houve motivação consciente ou apenas um impulso descontrolado. Estaremos perante a perturbação da "loucura" ou terá havido uma avaliação radical de uma situação familiar semelhante à que conduz os terroristas aos atentados?
A cena do crime mais parecia um guião para uma série do CSI ou de Mentes Criminosas. Só ai julgamos ser possível haver gente tão brutalmente crua, brusca e temível. Isto porque na “vida real” julgamos que isso só acontece em filmes. Mas não. Foi real, foi brutal... foi... cruel em todos os sentidos.
Em certos homicídios passionais, dizem os especialistas, o agente procura compensar a culpa moral com a culpa jurídica. O homicida procura, por vezes, a punição do Estado porque não suporta a censura da sua consciência ou da comunidade – tal como muitas outras pessoas clamam pela punição alheia para se redimirem dos seus aspetos negativos, que reconhecem nos criminosos.Ignoramos se este caso teve tais contornos, se correspondeu a um acesso psicótico ou se foi originado por uma causa misteriosa. Sabemos apenas que Francisco Esperança tinha problemas financeiros e de saúde física e psíquica. Sabemos ainda que já se confrontara com a Justiça devido a crimes patrimoniais. E que guardara uma catana da guerra de África.
É necessário construir uma narrativa coerente que explique o crime, mesmo quando já não está em causa a responsabilidade penal. Na verdade, a falta de diálogo do agente do crime e das suas vítimas com a comunidade debate-se com a explosão de uma crise pessoal e familiar profunda num meio que está relacionado com essa crise – no mínimo, por omissão.
Nunca poderemos estar certos disso, mas este tipo de desagregação de laços familiares sugere que todas as portas para a superação da crise e para a alteração dos quadros de representação de si mesmo pelo agente estiveram fechadas. Ocupados com a nossa sobrevivência económica, acabamos por deixar paralisar a reflexão moral sobre as mais íntimas relações humanas. Por ironia arrepiante, a família desaparecida chamava-se Esperança, quando só evoca o mais profundo desespero. O seu desaparecimento pode ter sido pretendido pelo assassino, mas não deveremos deixar de investigar o crime, porque essa família exprime um fracasso superior ao das nossas finanças públicas e relativiza a ação política, não deixando de a interpelar.
Aliás, num outro caso arrepiante, um homem escravizou em todos os sentidos a mulher durante quarenta anos. O pior da condição humana resistiu incólume às tentativas de modernizar Portugal: da revolução democrática ao reformismo neoliberal. Mas estas ilhas de solidão só permanecem intocáveis porque a sociedade portuguesa não as tem achado importantes. Era importante que todos nós, à sua maneira, refletíssemos sobre isto. Para que a família Esperança seja lembrada e para que volte a haver esperança no comportamento humano.
Joana Teófilo Oliveira
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo
Estudante de Ciências da Educação
Quinta do Anjo
(Escreve todas as segundas-feiras na rubrica Criticas Soltas)
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