Consciência

Desejos & Pensamentos por Cátia Neves
Consciência

Certo dia decidi perder-me na escuridão da noite, esquecer tudo e todos e apenas descontrair... sai para a rua e caminhei sobre as memorias esquecidas em mim, na minha mente passaram imagens de muitas histórias que vivi, de pessoas que conheci e de momentos que nunca esqueci...  Ao virar da esquina encontrei um rapaz, estatura média, louro, olhos claros, abraçando uma fotografia como quem abraça o céu, perdido no tempo, como se tivesse parado em algum momento e nada mais importasse. Em seu rosto apenas se viam cair lágrimas, perguntei-lhe de imediato se precisava de ajuda, agarrou a minha mão como quem encontra uma luz no fundo do túnel e pediu-me apenas que o ouvisse, sentei-me junto daquele rapaz e apenas acenei com a cabeça para que começasse a falar.



Foi então que nunca largando a preciosa fotografia que consigo trazia, me contou um pouco da sua história. Ela era uma mulher para a qual adjectivos não eram difíceis de encontrar, subtil, esplendorosa, iluminada, perfumada, carinhosa, torneada, meiga, inteligente, doce e esplêndida. Tantos que ele seria capaz de passar o resto da noite a encontra-los. Depois de tantas vezes os seus olhares se cruzarem, de tantas palavras que trocaram, ele conseguiu perceber tudo isso e muito mais, que ela era muito mais teimosa que qualquer outra, muito mais complicada que tantas que já havia conhecido, que acordava muito mais mal disposta do que qualquer pessoa, que a sua ironia ligada ao seu mau feitio e às grandes birras que tantas vezes insistia em fazer com ele a caracterizavam como a mulher mais diferente de tudo que havia conhecido. Tão diferente que esta mulher havia conquistado o seu coração como nenhuma outra.
Ela por sua vez pensava que ele se assemelhava a um menino que corre mais atras de um chupa-chupa do que dos seus sonhos, a alguém que pensa que é inferior aos seus sonhos, alguém com falta de amor próprio, chegava mesmo a compara-lo à famosa e mítica caixa de pandora, deixando este pobre homem suportar uma dor dentro de si, que o consumia cada vez mais, já lhe restavam poucas forças para lutar por um amor que à partida lhe parecia impossível. Depois de me contar toda esta história, virou a fotografia que na mão trazia e mostro-me finalmente o rosto daquela que era a predilecta do seu coração. Pediu-me que o ajudasse, que por ela procurasse e lhe dissesse o quanto a sua ausência o estava a transtornar e quão grande era o amor que por ela sentia.
Olhei o rosto daquele homem que jamais havia alguma vez visto, senti a sua dor como minha fosse e passei-lhe a mão no rosto, limpando algumas de suas lágrimas e prometendo-lhe levar aquele pedido comigo, como se meu se tratasse, tinha de ajudar aquele pobre homem a ser feliz. Disse-me onde encontra-la, apressei-me a procura-la. Num pequeno jardim, perto do sitio onde estava avistei a rapariga sentada, ao colo tinha um ramo de rosas, vermelha cor de paixão, lindas, esperançosas, não se cansava de as contemplar e o mesmo se passou comigo quando junto dela me sentei. Sem qualquer embaraço, começou a falar, como se soubesse quem eu era e a razão de eu estar ali. Disse-me que apesar de tanto o criticar, tinha por ele um grande amor e que tudo o que dizia ou fazia apenas tinha como objectivo que ele se amasse primeiro de amar qualquer outro ser, que queria que ele acreditasse nos seus sonhos, para que juntos construíssem os seus e lutassem, como um yin yang, duas forças que se completam, por aquilo que acreditavam e aquilo que os unia, um grande amor. Disse-me que tantas vezes lhe disse estas palavras mas a negatividade de pensamento e de acreditar dele o tinha cegado e ensurdado para ver aquilo que ela lhe queria mostrar e o fazer ouvir.
Levantei-me, agarrei a sua mão com força e ela sorriu para mim, um sorriso sincero e delicado, aconselhei-a a ir ao encontro daquele homem e apenas o abraçar como quem abraça o céu, como ele abraçava a sua fotografia quando eu o encontrei... e por entre a escuridão da noite me voltei a perder, caminhei e caminhei por mais algum tempo e foi então que me apercebi que nesta noite não havia falado nem visto ninguém, aqueles dois seres eram apenas parte da minha consciência, onde aquele homem representava como numa historia de encantar, o tal diabinho que não me deixava acreditar e ter força para lutar e a aquela mulher, abraçada a umas lindas e perfumadas flores, nada mais era do que o anjinho que me dizia para continuar e que valia a pena tentar...
Os instintos sob uma enorme força repressiva volvem para dentro de mim, tenho duas forças que me conduzem e me guiam em caminhos diferentes mas no fundo apenas uma coisa importa, a força do amor, apresente-se ele de que forma seja, amor entre homem e uma mulher, amor por um filho, por um pai, um amigo e até por um animal de estimação. O amor é a força que molda todo o ser humano e o faz caminhar até à lua se preciso for para em pleno viver.

" A medida do amor, é amar sem medida " Victor Hugo

Cátia Neves
Lisboa



Desejos & Pensamentos uma rúbrica onde se misturam desejos intensos com pensamentos da vida. Sempre às segundas-feiras ao fim da noite. Para ler, desejar e pensar. Com assinatura exclusiva de Cátia Neves para o ADN. 

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