Desejos & Pensamentos por Cátia Neves

Pilhas de amor

Estavam ali, olhando para mim cada vez que eu abria o armário, revestidas por aquela caixa colorida que eu teimava em não querer mais encarar. Guardadas, empacotadas, longe da vista, memorias não esquecidas mas difíceis de serem lembradas. Certas lembranças tornam-se mais ternas e profundas quando não se mexe muito nelas… Como se isso nos desse a oportunidade de nos recordar apenas daquilo que um dia nos fez sorrir e trancar as lágrimas numa caixa ainda mais profunda para nunca mais abrir...


Lembranças deveriam ser apenas isso… lembranças! Mas o ser humano tem a louca e estranha capacidade de não entender o tal e recordações podem ser o começo de toda uma nova história…
Naquela manha abri finalmente a caixa, andava fazia quase uma semana a encarar-me todas as manhas quando abria o armário. Senti um calafrio que me percorreu partes do corpo que nem sabia ter… É difícil agarrar em mãos momentos, frases, musicas, sorrisos… é difícil agarrar em mãos uma época que nos fez tão feliz e que hoje é apenas uma caixa guardada entre tantas, dentro do velho armário. Olhei aquela pilha de fotografias e senti-me transportada para outra dimensão, a cabeça lembra-se de histórias e o coração prega-nos partidas. Saudade é aquela estranha palavra que a língua portuguesa inventou e tantas vezes aparece junta das recordações.
Agarro no telefone, como se fosse imperativo que o fizesse, derrepente já não sou dona do meu corpo, ele está comandado pelas tais lembranças… Atendes com a mesma voz meiga e doce que sempre te foi característica. Combinamos encontrar-nos mais tarde. Depois de uma bebida e de um passeio junto ao Tejo eu já estava perdidamente com vontade de empacotar outra caixa, mais fotografias, mais sorrisos, mais músicas e mais momentos… mas desta vez mandaste a tampa ao mar e fizeste-me acreditar que uma história de amor como a nossa nunca mais iria ser tapada, tampa na caixa nunca mais… seria uma história sem fim… um empilhar de recordações felizes… Pilhas de amor para mais tarde recordar, longe do velho armário e muito perto do coração.



Cátia Neves 
Lisboa 

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