Acidente do Mercado do Livramento continua a dar que falar

Construtora dá donativo no dia do acidente e autarquia mudou data da fiscalização

 Na segunda-feira, o DN escreveu que no dia em que morreram cinco operários soterrados na derrocada de uma parede no Mercado do Livramento, em Setúbal, a empresa responsável pela obra fez um donativo de 25 mil euros que contemplou, entre outros, a Junta de Freguesia da Anunciada. Hoje é o Correio da Manhã que volta a pegar do assunto e diz [e a Câmara confirma] que a autarquia liderada por Maria das Dores Meira alterou a data do contrato de fiscalização da empreitada do Mercado do Livramento após o acidente de 7 de fevereiro. A fiscalização findava em setembro de 2011 mas prazo foi corrigido à mão para fevereiro deste ano. A situação levou já a um pedido de demissão de uma deputada municipal – eleita pelo CDS-PP – que acha a situação “deplorável”. Para a presidente da Câmara é “absurdo” ligar o acidente e suas consequências à “entrega de um donativo solicitado quase cinco meses antes e concedido ao abrigo da Lei do Mecenato”. 

Parede caiu a 7 de fevereiro e matou cinco operários

A Câmara de Setúbal nega ter havido uma relação entre o donativo feito pela empresa de construção ABB à Junta de Freguesia da Anunciada e o acidente ocorrido no Mercado do Livramento em 7 de fevereiro, que vitimou cinco operários que trabalhavam nas obras de requalificação, a cargo daquela empresa. 
A autarquia reage desta forma à notícia publicada no Diário de Notícias há dois dias, de acordo com a qual a ABB teria entregado um cheque de 25 mil euros a instituições associadas à gestão camarária, como a Junta de Freguesia da Anunciada. 
“Apenas por absurdo se poderá ligar o acidente e suas consequências à entrega de um donativo solicitado quase cinco meses antes e concedido ao abrigo da Lei do Mecenato a uma junta de freguesia do concelho para a execução de uma obra”, refere a Câmara de Setúbal, em comunicado. 
No mesmo texto, a autarquia acrescenta que “a empresa que já tinha colaborado com a Câmara Municipal com a aquisição de tintas para a iniciativa “Setúbal mais Bonita” (ação de limpeza de espaços públicos) ” e que o donativo “foi entregue à Junta de Freguesia da Anunciada no âmbito de uma prática comum e pública na Câmara desde há dez anos e que nunca mereceu qualquer contestação das forças políticas representadas no executivo municipal”. 
Além da Junta da Anunciada, a empresa que tinha em mãos as obras do Mercado do Livramento entregou o segundo cheque, no valor de dez mil euros, à Associação dos Amigos do Fórum Luísa Todi. Os dois cheques, cuja data coincidiu com a do acidente que vitimou cinco operários, totalizavam um donativo de 25 mil euros.

Câmara alterou data da fiscalização
Câmara garante que é "absurdo" ligar as situações descritas na imprensa


Mas a historia não fica por aqui. A edição do Correio da Manhã de hoje refere que a autarquia alterou a data do contrato de fiscalização da empreitada do Mercado do Livramento após o acidente que vitimou cinco operários. 
O documento, de acordo com aquele jornal, previa que a obra fosse fiscalizada pela empresa Pengest até setembro de 2011, mas a data foi mudada à mão para fevereiro deste ano, mês em que caiu a parede do mercado. 
Segundo Carlos Rabaçal, vereador com o pelouro das obras, o documento foi assinado em outubro de 2010 e referia que o prazo de duração era de 16 meses. Mas a mesma cláusula estipulava que o contrato tinha termo em setembro de 2011". Depois do acidente fomos contactados pela investigação para reunir todas as peças relativas à obra. Nesse processo verificámos que existia uma discrepância entre os 16 meses e o término do contrato", explicou o autarca, admitindo que "foi feita uma certidão de retificação e notificada a Pengest da alteração". 
Segundo o responsável pelas obras, "foi um erro material e fizemos a correção para evitar que houvesse lugar a qualquer confusão de datas", disse Carlos Rabaçal. O vereador acrescentou que o documento foi entregue já corrigido, num lote de 14 caixotes, às autoridades. "A própria empresa faturou [o serviço à autarquia] durante os 16 meses", adiantou o autarca. 

Deputada do CDS pede demissão por achar “deplorável” comportamento dos autarcas 

Os deputados eleitos pelo CDS-PP já pediram esclarecimentos sobre os apoios recebidos pela câmara ao abrigo da Lei do Mecenato. A autarquia chefiada por Maria das Dores Meira garantiu que "o processo tem sido público e transparente" e confirmou que organiza anualmente um jantar com mecenas onde figuram empresários e autarcas de vários partidos”. 
Mas isso não convenceu os deputados democratas-cristãos e o facto de o cheque ter sido entregue no mesmo dia em que ocorreu o acidente levou a autarca do CDS-PP, Cristina Diz, da Assembleia Municipal a apresentar a demissão por considerar moralmente “deplorável” que a ABB “andasse a distribuir cheques” a instituições da cidade, dias depois do acidente no mercado e com a investigação do acidente ainda a decorrer. De acordo com a deputada [que também é secretária do executivo da Junta de Freguesia da Anunciada] o cheque foi passado pela empresa e entregue ao presidente no dia do acidente e deu entrada na Junta a 9 de fevereiro". Isto para Cristina Diz não é de todo "normal". "Não há uma sensibilidade perante cinco mortes? Mesmo que o cheque já tivesse sido emitido antes do acidente, a empresa anulava-o", argumenta a deputada centrista. Mas não o anulou a empresa, nem a Câmara e tão pouco o presidente da Junta de Freguesia. Em relação a isto, a empresa Alexandre Augusto Barbosa - com sede em Braga - e o presidente da Junta da Anunciada, José Carvalho da Silva, ainda não se prenunciaram. 
Sobre essa questão, a autarquia alega que Cristina Diz, que votou contra a entrada do cheque na Junta de Freguesia da Anunciada, “reconheceu publicamente, em 23 de fevereiro, que a entrega do donativo é absolutamente legal e que, embora tenha ameaçado demitir-se na sequência desta situação neste dia, só o fez mais de um mês depois, no dia 28 de março”. 
As causas do acidente no Mercado do Livramento estão ser investigadas pela Polícia Judiciária (PJ) e o LNEC, mas segundo o Diário de Notícias, a PJ admite que os responsáveis pela obra possam ser responsabilizados criminalmente por homicídio por negligência. 


Paulo Jorge Oliveira



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