A história de Nuno Ferreira
O jornalista acusado de ter
tentado agredir o ministro Miguel Relvas contou o que se passou na tarde de
ontem, no Hotel do Canal, na cidade da Horta, nos Açores. Nuno Ferreira, que
ficou sujeito a termo de identidade e residência, garante que não tentou entrar
no quarto do ministro, nem tentou agredir os seguranças. Nuno, residente na
Costa da Caparica, é jornalista, escritor e está a percorrer o país a pé.
Nuno Ferreira foi acusado de ter tentado agredir ministro Relvas |
Nuno Ferreira deu uma entrevista ao Jornal
de Notícias, enquanto esperava pela hora em que seria presente ao juiz do Tribunal
da Horta, ontem à tarde.
O jornalista – que também é escritor – garantiu
aquele jornal que não tentou entrar no quarto do ministro, nem tentou agredir
ninguém e queixa-se de que tinha os seguranças do governante à sua espera,
quando regressou ao quarto ao final da tarde.
"Quando cheguei ao corredor tinha
homens à minha espera e fui interpelado pelo que já tinha falado comigo no
restaurante", contou. "Queria saber o que é que eu andava a fazer e
eu disse que o que queria era que ele não me batesse".
Segundo explicou, cruzou-se pela
primeira vez com a comitiva do ministro Miguel Relvas, terça-feira, à hora do
almoço, no restaurante do hotel onde ambos estiveram hospedados, o Hotel Canal,
na Horta.
Miguel Relvas pernoitou na Horta para
assistir à tomada de posse do Governo Regional, local escolhido por Nuno Ferreira
para dormir antes de retomar o trabalho de percorrer a pé as ilhas açorianas.
"Estou no Açores no âmbito do meu projeto 'Açores a pé", explicou.
"Sábado, dia 27, estava no Pico e decidi ir a casa, ao continente, porque
já estava há bastante tempo sem lá ir", acrescentou.
Esteve em casa, na Costa da Caparica,
uma semana, no final da qual regressou ao trabalho e aos Açores. "A
Terceira é a sétima ilha que faço a pé", disse, garantindo desconhecer que
estava agendada para aquele dia a tomada de posse do Governo Regional.
Encontro imediato com Relvas
O primeiro encontro com o ministro
Relvas ocorreu no restaurante do hotel, quando a meio da refeição Nuno Ferreira
se apercebeu da presença do governante na sala. "Num impulso, levantei-me
e dirigi-me à mesa e disse-lhe: 'O que anda aqui a fazer? Não tem
vergonha'", contou Nuno.
De acordo com o Nuno Ferreira, o
ministro levantou-se e saiu do restaurante, depois de dizer que não conhecia o
jornalista. "Depois vieram os seguranças e eu percebi que me tinha metido
com um peixe graúdo", recorda. "Perguntei a um dos seguranças se me
ia bater e ele respondeu que se fosse preciso batia".
Regressou à mesa para acabar de tomar
a refeição, mas apercebeu-se do "ambiente muito tenso que se vivia no
lobby do hotel".
À tarde, comprou uma cartolina e um
marcador para fazer um cartaz com a seguinte mensagem: "Bem-vindo, Exmo.
Sr. Dr. Miguel Relvas, Angola gosta do senhor".
"Depois fui para o passeio oposto
à Assembleia Regional, onde um polícia me perguntou o que é que eu ia fazer.
Expliquei que ia mostrar o cartaz e ele disse que estava bem", explicou.
Mostrada a mensagem, seguiu para o
Peter's e de lá, regressou ao quarto 213, no 3.º andar do Hotel Canal, pelas 18
horas, onde tinha os três seguranças à sua espera, que depois de o abordaram o
conduziram à esquadra da PSP da Horta.
"Chegado à esquadra, tiraram-me
todas as minhas coisas, só tive tempo de fazer um telefone rápido para um
amigo", relatou. "Fiquei muito tempo algemado e depois fui conduzido
para uma cela", explicou na entrevista ao Jornal de Notícias, destacando
que foi bem tratado durante as horas que permaneceu detido.
Jantou, saiu da cela por volta das 22
horas e foi levado até junto de um graduado, que o informou que era arguido por
injúrias.
"Tudo por palavras",
sublinha Nuno Ferreira. Nessa altura, leu na notícia que passava no rodapé das
televisões "Homem que tenta entrar no quarto de Relvas detido".
"E só disse que era tudo mentira.
Tudo mentira", conta. Pelas 22.30, deixaram-no regressar ao mesmo quarto
de hotel, com indicação para ser presente ao juiz esta quarta-feira, pelas 14
horas. "E regressei para o mesmo quarto a poucos metros do quarto do
ministro, apesar de ser considerado perigoso".
Ministério Público abre inquérito
O Ministério Público (MP) decidiu,
esta quarta-feira, abrir um inquérito ao caso da tentativa de agressão ao
segurança do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas,
durante a sua estadia na ilha do Faial.
A decisão do MP foi divulgada por
Francisco Abreu de Chaves, advogado de defesa do jornalista Nuno Ferreira, que
é acusado de tentativa de agressão de um segurança de Miguel Relvas e que foi,
entretanto, constituído arguido.
"O processo está em segredo de
justiça. Compreendo a pertinência das vossas questões, mas não vou fazer
qualquer tipo de declaração", disse o advogado à saída do Tribunal da
Horta, acrescentando que vai agora aguardar o resultado final do inquérito.
O MP decidiu também aplicar a Nuno
Ferreira a medida de coação mais leve, ou seja, o termo de identidade e
residência.
De jornalista a viajante por Portugal
Desde 2008 que o jornalista está a percorrer o país a pé |
Jornalista trocou as redacções pela descoberta de Portugal.
A pé. Saiu de Sagres em 2008 e chegou a Chaves dois anos depois.
Os pastores são as personagens que mais encantam este
citadino. Na caminhada apaixonou-se pelo mundo rural
Às vezes até ele duvida. Faz uma espécie de teste rápido de
realidade: olha para o mapa (de Portugal), observa a linha em ziguezagues
constantes que está quase a atingir o topo da carta e pensa nas pessoas que já
conheceu. Sim, aconteceu. Está a acontecer.
Nuno Ferreira, 48 anos, jornalista (ex-"Expresso"
e ex- "Público") natural de Aveiro e residente na Costa da Caparica,
está a percorrer Portugal. A pé. Começou em Fevereiro de 2008, em Sagres, e agora está a
descobrir as ilhas. Pelo meio, já houve várias pausas. Recomeça onde terminou.
Como se fosse promessa. A si próprio.
"Às vezes, ao olhar para o mapa, penso: isto?
Portugal? É tão pequeno, de carro faz-se em dias, mas, depois, vendo bem, tem
aqui tanta coisa". Inicialmente, o sonho que Nuno Ferreira alimentava há
muito era um projecto de trabalho. Hoje, é uma "extravagância".
"Comecei a publicar os textos sobre a viagem na revista "Única",
do "Expresso", e era suposto ter dentro da própria página do jornal
na net um blog com registos diários. Depois, deixou de ser tudo. Fiquei um
bocado pendurado". Ou de outra forma, completamente desempregado.
Mas não desistiu. Relata tudo num blog próprio
(http://portugalape.blogspot.com). Porque lhe "dá um gozo do
caraças". E cabo da carteira. Mas isso é outra história.
Ao longo do longo caminho, já passou por tudo: cigano,
peregrino e até passador de droga. A "profissão" de traficante
arranjou-lha um homem de Rio de Honor (Bragança). Nuno ficou sentido.
"Ouve-se cada coisa!". Mas não virou as costas. Explicou-se e ouviu
um pedido de desculpas. Adiante. E o que mais o impressionou de tudo que já
viu? "A desertificação. Uma coisa é estar a escrever na redacção sobre
desertificação outra coisa é vivenciá-la. Procuro os sítios mais remotos,
buracos, mas depois fico triste, não há ninguém, mas às vezes, depois, lá
aparece uma personagem. Ainda há bocado estive num sítio que até se podia ouvir
as moscas".
E o que não esquece? Os pastores. "São personagens
espectaculares. Não têm nada para fazer e então estão disponíveis para falar. E
não têm medo!". Nas pausas que tem feito, muito por causa da família -
sim, Nuno tem mulher, também jornalista, e dois filhos - vai a Lisboa.
"Parece que estou noutro planeta. Tornei-me rural", diz.
Ontem entrou na história porque atreveu-se a questionar um
ministro da presidência e alegadamente ter tentado agredir-lo.
Nuno Ferreira, licenciou-se
em comunicação social na Universidade Nova de Lisboa. Foi colaborador
permanente do semanário Expresso de 86 a 89, ano em que ingressou nos quadros
do jornal Público (até 2006). Nos últimos 20 anos fez reportagens de cariz
social. No Jornal Público manteve uma crónica satírica intitulada “Ficções do
País Obscuro” e escreveu sobre música popular americana. Recebeu, entre outros,
o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube de Jornalistas do Porto com o
trabalho “Route 66 a Estrada da América” (1996). No ano seguinte recebeu o
Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube Português de Imprensa com o trabalho “A
Índia de Comboio”. Em 2007 publicou conjuntamente com Pedro Faria o livro “Ao
Volante do Poder”.
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