Avieiros lutam para serem património nacional
A praia da Trafaria foi, este fim-de-semana, porto de abrigo do 1.º
Cruzeiro Religioso dos Avieiros e do Tejo. Uma das várias iniciativas da
associação constituída para promover o projecto de Candidatura da Cultura
Avieira a Património Nacional Imaterial. Recebida no passeio ribeirinho pela
população da Trafaria, a imagem seguiu em procissão até à Igreja local e, pelo
meio, ouviram-se críticas à construção do terminal de contentores na aldeia do
concelho de Almada.
Santa dos Avieiros desembarcou na praia da Trafaria |
O cortejo fluvial navegou de Constância e desceu o Tejo em oito etapas. No
último dia as bateiras – embarcações tradicionais –, entraram na baía do Seixal
de onde partiram acompanhadas por fragatas típicas, foram recebidas pela
Marinha Portuguesa na base do Alfeite e seguiram até à Trafaria, localidade que
está na história destes pescadores que criaram aldeias piscatórias ao longo do
Tejo.
“Este projecto que começou em 2008, pretende valorizar o património
cultural da arte de pesca ao longo do Tejo, com todas as influências que estas
comunidades desencadearam”, comenta Teresa Serrano, Vice-presidente do
Instituto Politécnico de Santarém, instituição promotora desta candidatura que
envolve vários outros politécnicos, entidades e investigadores.
Com origem em Vieira de Leiria, os avieiros formaram várias comunidades ao
longo do Tejo, existindo ainda hoje em Póvoa de Santa Iria, Vila Franca de
Xira, Escaroupim, Palhota e Caneiras. Aldeias que ainda não foram reconhecidas
como legais o que “tem dificultado muito a candidatura a património nacional”,
lamenta Teresa Serrano.
Entretanto este projecto de apoio financeiro de base QREN conseguiu de
início envolver as autarquias onde estas aldeias foram criadas, mas “as câmaras
queixam-se de terem perdido verbas e algumas desistiram”.
“Abençoados pela fé dos
pescadores”
Mas a palavra desistir está fora do vocabulário deste povo do rio. “Não
vamos desistir desta candidatura”, garante Lurdes Véstia, colaboradora do
Politécnico de Santarém e uma das impulsionadoras deste projecto. “Vamos ser
abençoados pela fé dos pescadores”.
E uma das missões deste cruzeiro foi precisamente trazer a imagem de Nossa
Senhora dos Avieiros do Tejo para ser benzida na Igreja da Trafaria. “Os
pescadores têm vários santos de devoção, fizemos uma recolha da história e esta
santa congrega essa religiosidade”.
Recebida no passeio ribeirinho pela população da Trafaria, a imagem seguiu
em procissão até à Igreja local. “O que será que Nossa Senhora nos quer dizer?”,
interrogava-se o padre Sérgio Quelhas, relembrando “os muitos problemas que a
Trafaria está a atravessar”.
“Trafaria passa pelo
desenvolvimento da pesca e do turismo”
O pároco referia-se à intenção do actual Governo de construir um terminal
de contentores na Trafaria, uma infra-estrutura rejeitada pela população, pela
paróquia e pelos autarcas. “O nosso mar e o nosso rio aguardam uma estratégia
que ainda permanece por equacionar. Soluções que podem trazer a este país uma
grande riqueza económica aproveitando os seus recursos naturais”, afirmava a
presidente da Junta de Freguesia da Trafaria, Francisca Parreira, e justificava
o “Não” aos contentores na localidade. “O futuro da Trafaria passa pelo
desenvolvimento da pesca e do turismo”.
Os avieiros entraram na literatura portuguesa através do escritor Alves
Redol, que conta a vida destes pescadores que diziam sair para o “mar” – de
facto o rio Tejo – com as suas mulheres, a quem chamavam de camarada. A
tripulação era assim composta pelo casal numa pequena embarcação, quase em
meia-lua, dividida pelo quarto à proa, a meio a cozinha e à ré ficava montada a
oficina e todos os apetrechos desta arte de pesca à rede.
Conforme a mudança de clima, estes pescadores vieram navegando pelo rio
Tejo, primeiro em campanhas, depois fixando-se e criando várias aldeias desde
Vieira de Leiria até à Trafaria.
Agência de Notícias
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