Casas e restaurantes da Fonte da Telha vão abaixo

29,5 mil milhões de euros para mudar a face da Fonte da Telha

O Plano de Pormenor da Fonte da Telha pretende demolir quase todas as construções existentes na zona entre a Arriba Fóssil da Costa da Caparica e o cordão dunar daquela zona de frente atlântica do concelho de Almada, noticia o Público. O projeto, no valor de 29,5 mil milhões de euros, prevê a demolição de todas as habitações ali presentes, e onde residem cerca de 400 pessoas. Serão também demolidos sete dos dez bares e restaurantes de apoio à praia ali existentes, que serão reconstruídos em costas mais altas. Por outro lado, será criado um novo bairro com 70 casas destinadas à comunidade piscatória. O objetivo do plano é deslocalizar as casas e estabelecimentos comerciais construídos sem licenças ou em locais demasiado expostos ao avanço do mar. Os moradores da Fonte da Telha estão indignados com o Plano de Pormenor. "Sair daqui era o fim da minha vida. Não me sinto bem em lado nenhum. Nasci aqui e quero morrer aqui", diz Hélder Silva, 52 anos, antigo pescador e proprietário de um dos restaurantes que deverá ser demolido, de acordo com o plano, que está em consulta pública até 12 de Novembro. A autarquia de Almada garante que "nada ainda está fechado". 
Plano de Pormenor prevê demolição de casas, bares e abrigos 

De acordo com o Plano de Pormenor da Fonte da Telha, em consulta na Câmara de Almada, os pescadores vão ser realojados num novo bairro e quase todos os estabelecimentos comerciais terão de ser relocalizados. O Plano de Pormenor,  prevê a demolição de quase todas as construções existentes na zona entre a Arriba Fóssil da Costa de Caparica e o cordão dunar daquela zona de frente atlântica do concelho de Almada. O objectivo é deslocalizar casas e estabelecimentos comerciais construídos sem licença ou em locais demasiado expostos ao avanço do mar, construindo um novo bairro para os pescadores, melhorando acessibilidades e requalificando a área natural envolvente.
As intervenções, que segundo o documento terão um custo total de 29,5 milhões de euros, deverão servir para "lavar a cara" de uma zona das zonas mais procuradas pelos banhistas ( oito a dez mil pessoas por dia) dos concelhos de Lisboa e do distrito de Setúbal  durante o Verão, concretizando algumas medidas planeadas há mais de 20 anos.
A Fonte da Telha começou por ter um pequeno núcleo de pescadores, no início do século XX, que foram construindo habitações não licenciadas – nos meados da década de 1950 seriam cerca de 30. A ocupação foi evoluindo e no final da década de 1980 foram contabilizados 670 edifícios, sobretudo casas de férias.
Apesar da demolição de grande parte das habitações ilegais (576) no final dos anos 80 e início dos anos 90, o desordenamento mantém-se. Casas dispersas, sem qualquer plano urbanístico e sem as infra-estruturas necessárias, encaixadas na arriba ou sobre o cordão dunar, fazem daquela zona “um aglomerado [que se estende ao longo de dois quilómetros] urbanisticamente desqualificado e paisagisticamente degradado”, lê-se no relatório do plano de pormenor.
Agora, a Câmara de Almada quer intervir numa área de 85 hectares, na faixa litoral entre o mar e a arriba fóssil, incluindo as áreas de ocupação urbana de origem clandestina, a praia e o cordão dunar. Vão ser demolidas praticamente todas as habitações, onde residem perto de 400 pessoas, e criado um novo bairro com 70 casas destinadas à comunidade piscatória, dando prioridade às pessoas que comprovem ter ali a primeira habitação (pelo menos 20 por cento das casas são ocupadas apenas sazonalmente). Os restantes moradores serão realojados fora da área de intervenção, em habitações municipais.

Moradores preocupados e indignados 
Moradores temem perder tudo que construíram 
No novo aglomerado serão também relocalizados 19 estabelecimentos comerciais e uma unidade de alojamento local. O restaurante Retiro do Pescador é um dos que terão de se mudar. "Não estou de acordo, mas vamos ver. Não sabemos se nos vão arranjar outro espaço ou não, temos que aguardar", diz ao jornal Público, o actual proprietário Hélder Silva, que herdou o negócio dos avós. "Estamos aqui há 60 anos, isto começou por ser uma barraquinha de madeira", descreve o também pescador, mais preocupado com o restaurante do que com a habitação, que também irá abaixo. "Sei que vou ter direito a outra", diz, lamentando não saber "mais nada".
Também revoltado está José Augusto Santos Silva, 68 anos, pescador reformado. "Há três ou quatro gerações de pescadores a viver aqui e agora querem tirá-los. Os meus pais nasceram aqui e eu sempre vivi aqui. Mas gostava de ver isto melhor antes de morrer", diz o antigo homem do mar, que teme que os pescadores reformados sejam desalojados e não tenham direito a realojamento. "Esta é uma localidade que existe há mais de 100 anos. Neste momento há pescadores que já não estão no ativo, que lhes acontece? A minha família sempre viveu unida, mas o meu filho é pescador e a minha filha cabeleireira. Ele fica, ela não. Não me parece uma forma equitativa de tratar as pessoas. Isto é desgastante", diz ao Jornal Correio da Manhã, Adriano Galinho, 50 anos, residente na Fonte da Telha há mais de 20 anos. Mais otimista está Nuno Vieira, 45 anos, a residir ali há 10 anos. "Esperemos que não vá abaixo. Com a câmara [de Almada] nunca tivemos nenhuma reunião, mas sabemos do plano", conta. Vários residentes dizem não ter licença de habitação, mas que têm escritura do terreno e pagam Imposto Municipal sobre Imóveis.Segundo a vereadora com o pelouro do Urbanismo na Câmara de Almada, Amélia Pardal, em Outubro serão organizadas sessões de esclarecimento com toda a população envolvida. "Este não é um documento acabado, terá correcções e ajustamentos em função dos resultados da discussão pública", explica a autarca de Almada, antecipando um "processo difícil" e com resistências por parte da comunidade.
Amélia Pardal sublinha que o objectivo deste plano é também salvaguardar "a história, a identidade e a memória" daquela comunidade. A responsável pelo Urbanismo da autarquia garante que não se pretende aumentar a procura naquela zona, que considera já "suficiente e importante", mas sim requalificar a oferta. "Aquele território não tem capacidade para acolher mais gente, mas é preciso que acolha bem quem lá vive e quem lá vai".

"Oportunidade única de regeneração e reabilitação" 
Almada quer tornar a Fonte da Telha numa zona  de excelência 
Além das habitações clandestinas, o plano de pormenor prevê também a demolição integral de sete dos dez bares e restaurantes de apoio à praia (o Rampa, o Lareira e o Bambu Bar foram já construídos de acordo com as indicações do plano de ordenamento da orla costeira), e a reconstrução em cotas mais altas, uma vez que a zona está sujeita a galgamentos marítimos e à queda de blocos das arribas.
Em 100 anos, a cota de galgamento oceânico (onde o mar pode chegar em dias de tempestade) estará nos 10,9 metros, segundo os cálculos científicos. Por isso, o documento propõe também a reconstituição do sistema dunar com reposição de areias até à cota dos 12 metros, com a construção de passadiços sobre-elevados para acesso à praia.
A zona a demolir será integrada na Rede Ecológica Nacional, estando prevista a sua arborização. Está prevista também a recuperação da vegetação autóctone degradada e a plantação de espécies características das zonas costeiras.
A vereadora do Urbanismo salienta que a execução do plano não é uma responsabilidade exclusiva da Câmara de Almada, mas também do Governo e do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas. Isto significa também que as medidas previstas não serão financiadas apenas por fundos municipais. "Vamos sugerir ao Governo a candidatura a fundos comunitários, no âmbito do Portugal 2020, que nos permitam implementar este plano", afirma, vincando que este novo quadro comunitário de apoio é "uma oportunidade única de regeneração e reabilitação do território", conclui Amélia Pardal.

Outras medidas previstas
1- Instalação de um sistema de acesso condicionado, na intersecção da Estrada Florestal com a Estrada da Descida (que dá acesso à zona da praia), a funcionar durante a época balnear, e construção de duas rotundas na Estrada Florestal com sinalização electrónica sobre a capacidade do parqueamento junto à praia.  
2-
Reperfilamento da Estrada da Descida, com integração de um passeio para peões de um lado e de uma ciclovia do outro. Na ciclovia será instalado um mecanismo para apoio à subida de bicicletas. Esta ciclovia vai articular-se com dois percursos – um na Estrada Florestal, outro paralelo ao passeio marítimo.
Alargamento da área destinada aos peões junto ao núcleo urbano, onde a circulação automóvel será exclusiva para moradores e veículos de emergência.
3- Criação de parques de estacionamento ao longo da frente de mar e dentro do novo bairro (para moradores), com capacidade total para 873 veículos e com pavimentos permeáveis.
4- Instalação de paragens de autocarro na Estrada Florestal e construção de um terminal de autocarros no Largo da Chegada (ao fundo da Estrada da Descida), ajuste nos horários dos transportes colectivos que servem a zona.
5- Dinamização do Transpraia, com redução do preço dos bilhetes e alterações nos horários, e ainda extensão do comboio até ao penúltimo apoio de praia.
6- Instalação de um teleférico para ligar a cota da Mata dos Medos e a zona da Aroeira à cota das praias, uma ideia que faz lembrar a proposta feita há 15 anos pelo Grupo SIL (proprietário do empreendimento Herdade da Aroeira), chumbada pelo Governo. Mas segundo a vereadora Amélia Pardal, esta é apenas "uma hipótese de trabalho".
7- Instalação da Lota e de áreas destinadas a arrumos de equipamentos associados à prática balnear em frente à Praça dos Pescadores
8- Instalação na antiga escola primária de um equipamento de apoio às escolas de surf e kitesurf

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