Seixal julga alegada fraude fiscal de 6,6 milhões de euros

Arguidos da "rede do ouro" defendem-se em tribunal 

Um dos principais arguidos numa alegada fraude fiscal de 6,6 milhões de euros, no negócio do ouro, negou esta segunda-feira no Tribunal do Seixal que tivesse recebido informação privilegiada de um inspetor da Polícia Judiciária, também arguido no processo. "Eu é que lhe dava informação sobre clientes suspeitos para o trabalho dele", disse Paulo Martinho, ex-presidente da Associação de Comerciantes de Ourivesaria e Relojoaria do Sul, um dos cinco arguidos em prisão preventiva no âmbito do processo, com um total de 33 arguidos, que pertence ao Tribunal de Almada, mas que está a ser julgado no Tribunal do Seixal por razões logísticas. "Nunca dei dinheiro ao senhor João de Sousa. Aliciaram-me para dizer que sim, mas isso é outra história", disse, sem revelar quem o terá aliciado. Paulo Martinho salientou ainda que não só disponibilizava informação apenas ao inspetor João de Sousa, da Polícia Judiciária de Setúbal, recorrendo à informação que recolhia de clientes suspeitos, mas também à PSP e GNR de Almada, sempre que para tal era solicitado. O inspetor da PJ de Setúbal suspeito de envolvimento no mesmo sistema afirmou, ontem, que utilizou uma viatura emprestada por um dos principais arguidos do processo ao serviço da Polícia Judiciária de Setúbal, tendo negado qualquer crime. O julgamento prossegue na próxima segunda-feira. 
Arguidos são suspeitos de vender ouro sem declarar 

Segundo o Diário de Notícias, Paulo Martinho “não admitiu nenhum dos crimes” de que é acusado: “associação criminosa, branqueamento (em co-autoria), fraude fiscal, corrupção activa (em co-autoria), receptação (em co-autoria), falsificação (em co-autoria) e detenção de arma proibida (uma “taser” e um revólver)”. “Fiquei preso por trabalhar”, alegou o ex-presidente da empresa Alma de Ouro, que tem estado a cumprir prisão preventiva.
O arguido alegou que os outros acusados – entre os quais se encontram “a sua mulher e alguns dos seus antigos clientes e funcionários” – são inocentes. “Se houver alguma irregularidade nas minhas empresas, sou eu que respondo por isso, mais ninguém”, disse Paulo Martinho, que refutou o envolvimento do ex-inspector da PJ João de Sousa, acusado dos crimes de “associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, denegação de justiça e prevaricação, corrupção passiva, abuso de poder e violação de segredo de funcionário”.
O mesmo jornal revela ainda que o dono da Alma de Ouro admitiu que conheceu o inspector da PJ “na sequência de um assalto à sua casa, em 2008” e que, daí em diante, entre 2008 e 2010, apenas contactou com João de Sousa por cinco vezes, ao contrário do que afirma a acusação: “Ele não estava diariamente comigo como diz a acusação”.
Recorde-se que a primeira sessão do julgamento, com um total de 33 arguidos, quatro deles empresas, ficou marcada pelas substituições, incluindo do advogado do inspector da PJ, agora defendido pela advogada oficiosa Sónia Santos Lima, nomeada no passado dia 7 de Janeiro. João de Sousa e o ex-presidente da Associação de Comerciantes de Ourivesaria e Relojoaria do Sul Paulo Martinho são dois dos cinco arguidos que ainda se encontram sujeitos à medida de coação de prisão preventiva.

Inspetor diz que usou carro emprestado em serviços da Judiciária
O inspetor da PJ suspeito de envolvimento numa fraude fiscal de 6,6 milhões de euros afirmou, esta quarta-feira, que utilizou uma viatura emprestada por um dos principais arguidos do processo ao serviço da Polícia Judiciária de Setúbal.
"Não tinha carros em condições na Polícia Judiciária de Setúbal. Cheguei a ficar parado com carros (da PJ) a deitar fumo", justificou João de Sousa, depois de reconhecer que Paulo Martinho, proprietário de várias lojas de ouro no distrito de Setúbal e ex-presidente da Associação de Comerciantes de Ourivesaria e Relojoaria do Sul, lhe emprestou o carro, devido ao relacionamento de amizade que foram construindo ao longo do tempo.
O inspetor da PJ de Setúbal, que responde pelos crimes de denegação de justiça e prevaricação, corrupção passiva, abuso de poder e violação de segredo de funcionário, é um dos 33 arguidos no processo em julgamento no Tribunal do Seixal.
De acordo com a acusação, a rede criminosa adquiria as peças em ouro através de lojas próprias e de fornecedores espalhados pela zona da Grande Lisboa e do Alentejo, sem fazer a respetiva declaração fiscal e a comunicação, obrigatória, à Polícia Judiciária. O ouro era depois fundido e vendido na Bélgica.
Durante a audiência desta quarta-feira, o inspetor da PJ de Setúbal revelou alguma dificuldade em explicar o teor de escutas telefónicas em que manifestava algum receio quanto ao comportamento futuro de Florbela Gaspar, sócia de Paulo Martinho e também arguida no processo, que estaria a revelar alguma instabilidade emocional.
Numa dessas escutas telefónicas, João de Sousa terá dito: "temos todo o rabo entalado, estamos todos no projeto", mas, instado pela juíza a esclarecer esta afirmação, disse que se referia a projetos futuros na área das ciências forenses, que pretendia desenvolver com a sócia de Paulo Martinho e outra arguida no processo.
Confrontando com a utilização de um telemóvel exclusivo para os contactos com Paulo Martinho, João de Sousa admitiu que o objetivo era evitar eventuais escutas telefónicas, face ao receio de que alguns contactos (de Paulo Martinho) pudessem estar sob investigação das autoridades.
A juíza confrontou também o arguido João de Sousa com as pesquisas efetuadas no sistema informático da Polícia Judiciária, dizendo que, entre janeiro de 2013 e março de 2014, o inspetor da PJ utilizou mais vezes a base de dados ao serviço de Paulo Martinho do que ao serviço da Polícia Judiciária.
O inspetor da Judiciária de Setúbal admitiu ter efetuado várias pesquisas no sistema informático da Polícia Judiciária sobre alguns dos arguidos do processo e sobre algumas pessoas que suscitavam dúvidas a Paulo Martinho, mas negou sempre que o fizesse com intenção de o alertar sobre qualquer investigação policial.

Despacho de acusação
Segundo o despacho de acusação do Ministério Público, oito dos arguidos, em data não determinada, “decidiram constituir um grupo destinado à aquisição, em larga escala, de objectos em ouro no mercado nacional que posteriormente seriam fundidos, transformados em barras e vendidos no mercado internacional”. A acusação sustenta ainda que o suposto grupo criminoso operava num mercado que teve um exponencial crescimento, “fruto das elevadas cotações do ouro no mercado internacional”, e no contexto de “uma crise que se instalou em Portugal desde 2008 e que levou muitos portugueses a desfazerem-se de bens e joias de família”.
Ainda de acordo com o Ministério Público, o grosso do negócio era feito, à parte, ou seja, escamoteado às autoridades tributárias, financeiras e judiciárias, sendo que, as barras de ouro eram inicialmente transportadas para a Bélgica por via aérea, por dois arguidos, e, mais tarde, por razões de segurança, através de uma empresa especializada.
O julgamento prossegue na próxima segunda-feira, a partir das 9h30, no Tribunal do Seixal.


Comentários