Sesimbra restaura manuscrito único em Portugal

"É uma herança muito valiosa, que nos permite perceber o que foi feito para trás"

Em meados do século XIV, a arca do concelho, local onde se guardavam os documentos mais importantes relativos a cada município, continha um conjunto de documentação de grande relevância sobre Sesimbra. Para se salvaguardar essa informação, os documentos foram transcritos e reunidos no Tombo Velho da Vila, um conjunto de 125 fólios (folha de pergaminho), provavelmente de ovino, com capa em pele. Fernanda Rodrigues, responsável pelo Arquivo Municipal de Sesimbra, garante que se trata de um manuscrito único. "É um documento onde estão registadas informações fundamentais para o conhecimento das raízes do concelho, e que podemos chamar de 'filho único'. Um diamante em estado bruto, no sentido em que não se conhece o duplicado na Torre do Tombo"
Manuscrito foi descoberto numa reserva do Museu Municipal 

Três séculos mais tarde, em 1728, a Câmara Municipal, preocupada com o estado de conservação e difícil leitura, realizou o treslado do Tombo da Vila de Sesimbra, tendo-o transcrito para chamada “leitura nova”, com um português manuscrito mais atualizado. Daqui resultou o designado Tombo Novo da Vila de Sesimbra. Nos anos 90, quando o Arquivo Municipal de Sesimbra dava os primeiros passos, o Tombo Velho da Vila foi descoberto numa reserva do Museu Municipal juntamente com outros documentos. Apresentava sinais de má utilização, exposição a temperaturas desadequadas e acondicionamento incorreto.
Ao passar para a guarda do Arquivo foi inventariado, acondicionado devidamente e passou a ser higienizado periodicamente, para se garantir a sua preservação. Começaram também a fazer-se os primeiros estudos para se perceber de que tipo de documento se tratava. Para além disso, procedeu-se à microfilmagem e digitalização e à sua transcrição paleográfica, para limitar o acesso ao original e prevenir a degradação.
Após investigações constatou-se que se estava perante um dos mais importantes documentos sobre a história de Sesimbra e um exemplar raro em Portugal. Conhece-se apenas um semelhante no Porto, um fólio disperso em Estremoz e o Tombo de Beja, de épocas e conteúdos diferentes. Pela importância da sua documentação já deu origem a várias teses de mestrado e doutoramento.
É este documento, raro e muito valioso, que reúne informação detalhada sobre o concelho nos séculos XIII, XIV e XV, como leis, aplicação dos impostos, organização da Vila de Sesimbra, decisões do executivo municipal e a relação do concelho com as populações das zonas limítrofes, que a Câmara Municipal está a restaurar e a preparar para publicação.
Fernanda Rodrigues, responsável pelo Arquivo Municipal de Sesimbra, garante que se trata de um manuscrito único. "É um documento onde estão registadas informações fundamentais para o conhecimento das raízes do concelho, e que podemos chamar de 'filho único'. Um diamante em estado bruto, no sentido em que não se conhece o duplicado na Torre do Tombo", garante.
Em Portugal, não há muitos exemplares destes, ou porque desaparecerem ou porque simplesmente não foram feitos. "Apresenta degradação provocada pelo passado, devido a décadas de má utilização, manuseamento sem uso de luvas protetoras, mau acondicionamento em espaço inadequado, com oscilações de temperatura, humidade relativa e dejetos de insetos", lamenta a responsável pelo Arquivo Municipal de Sesimbra

Um manuscrito muito peculiar 
Ana Fialho, conservadora-restauradora responsável pelo restauro adiantou que vai ser um trabalho muito minucioso. "Vamos começar com uma higienização e limpeza. Há que planificar todo o corpo do códice (livro antigo), porque tudo tem de ficar muito bem limpo e direito", disse. "Para além disso, será necessário reforçar as perfurações, refazer toda a costura dos fólios e colocá-los segundo a numeração original". O processo, que começou no dia 20 de Janeiro, e que deverá ficar concluído até meados deste ano, exige ainda o preenchimento de lacunas na lombada e o reforço da pele da capa.
Para a técnica, o mais curioso neste restauro é verificar que há diferenças entre alguns fólios e cadernos que levantam questões. "Na produção deste tipo de documentos os escrivães seguiam uma regra, a da 'carne com carne, pelo com pelo', ou seja, o pergaminho era feito de pele animal e havia todo um cuidado na dobragem do pergaminho para formar os fólios dos cadernos", explicou Ana Fialho. 
"A pele do lado da carne, epiderme, é mais clara e a textura acaba por ser mais macia que a do lado do pelo, que depois de raspado ficava ainda com a marca do folículo, e a cor é mais escura, amarelada e polida", adiantou, acrescentando que "basta tocar para se sentir a diferença". A diferenciação pode levar a várias interpretações mas nunca a certezas sem análises laboratoriais. 
"Podemos pensar que foi retirado um fólio ou um bifólio porque quiseram alterar alguma informação, ou o documento foi mexido por algum motivo que desconhecemos, ou porque simplesmente o escrivão se enganou. Mas nunca iremos saber o motivo da regra ser quebrada", diz a conservadora-restauradora. 
Ana Fialho acredita que se trata de um documento muito peculiar. "É uma herança muito valiosa, que nos permite perceber o que foi feito para trás e que nos possibilitou chegar até aos dias de hoje. Ter a possibilidade de participar no restauro deste códice é para mim muito compensador e fascinante", concluiu a responsável pelo restauro da obra. 
O Tombo da Vila de Sesimbra está disponível para consulta em formato digital.

Agência de Notícias

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