Participante no bloqueio de há 25 anos recorda momento como "novo paradigma dos protestos"
O bloqueio da ponte sobre o Tejo, contra o aumento de 50 por cento das portagens, há 25 anos, marcou o princípio do fim do “cavaquismo”, num clima de confronto entre o Governo PSD e o Presidente Mário Soares. Pouco antes das sete da manhã de 24 de Junho de 1994, seis camiões bloquearam o acesso sul da ponte 25 de Abril num movimento de contestação popular, após dias de “buzinão” de automobilistas contra o aumento, que acumularam filas e mais filas de carros às horas de ponta, todas as manhãs. As televisões, além da RTP, estavam já no ar, a SIC e a TVI, que fizeram horas de emissões em direto, nesse dia e nos seguintes, mostrando imagens dos engarrafamentos que atingiram quase 50 quilómetros, até Setúbal, primeiro, e depois os confrontos com a polícia.
O bloqueio da Ponte 25 de Abril que ocorreu há 25 anos, em protesto contra o aumento das portagens, foi, segundo os promotores, “o ponto mais alto e de referência do exercício da cidadania em Portugal".Bloqueio da ponte 25 de Abril já fez 25 anos |
A afirmação é de Aristides Teixeira, participante nos protestos contra o aumento das portagens de 100 para 150 escudos, que culminaram, no dia 24 de Junho de 1994, com o bloqueio da praça da portagem da Ponte 25 de Abril.
"Este movimento de cidadãos na Ponte 25 de Abril criou um novo paradigma dos protestos - a partir daí as populações adotaram o buzinão, os trocos [dificultados com notas de elevado valor] e as marchas lentas como forma de protesto em diversas causas - e foi o ponto mais alto e de referência do movimento de cidadania e do exercício da cidadania", disse à agência Lusa Aristides Teixeira, que alguns dias depois do bloqueio se tornou presidente da nova Associação Democrática de Utentes da Ponte 25 de Abril.
O bloqueio da ponte (que liga Lisboa e Almada) começou ainda de madrugada quando um grupo de camionistas começou a circular em marcha lenta na autoestrada A2 e imobilizou seis camiões carregados de brita junto às portagens.
Muitos automobilistas e `motards´ juntaram-se de imediato ao protesto dos camionistas contra o aumento (de 50 por cento) das portagens, que tinha sido aprovado cerca de cinco meses antes pelo Governo de Cavaco Silva, mas que só entrou em vigor em 18 de Junho de 1994.
O bloqueio apanhou o então primeiro-ministro, Cavaco Silva, na Grécia, numa cimeira europeia, e foi o ministro da Defesa, Fernando Nogueira, a responder à crise. Dias Loureiro, com a tutela das polícias, foi à ponte para falar com os organizadores do protesto, e tentar um acordo. Em vão.
Dias Loureiro admitiu que apesar de “algum protesto genuíno e espontâneo”, havia “uma mão política escondida” atrás da organização. E Cavaco Silva acrescentou que os responsáveis podem ser “pessoas ligadas ao Partido Comunista ou aos partidos da extrema-esquerda”.
Dias Loureiro admitiu que apesar de “algum protesto genuíno e espontâneo”, havia “uma mão política escondida” atrás da organização. E Cavaco Silva acrescentou que os responsáveis podem ser “pessoas ligadas ao Partido Comunista ou aos partidos da extrema-esquerda”.
A carga policial e a suspensão de portagens até Setembro...
Como recorda Aristides Teixeira, "o então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, justificou o aumento das portagens com a necessidade de se observar o princípio do utilizador-pagador, mas os utentes defendiam, já nessa altura, que as portagens se destinavam apenas a pagar a construção da ponte, tal como tinha sido anunciado pelo anterior regime, que previa a extinção das mesmas quando o custo da obra estivesse liquidado, o que, na realidade, nunca aconteceu".
Como recorda Aristides Teixeira, "o então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, justificou o aumento das portagens com a necessidade de se observar o princípio do utilizador-pagador, mas os utentes defendiam, já nessa altura, que as portagens se destinavam apenas a pagar a construção da ponte, tal como tinha sido anunciado pelo anterior regime, que previa a extinção das mesmas quando o custo da obra estivesse liquidado, o que, na realidade, nunca aconteceu".
Segundo o Governo de então, o aumento servia para financiar a construção da linha férrea até Setúbal, na ponte 25 de Abril e a construção da Ponte Vasco da Gama, que liga o Montijo à capital.
Embora os primeiros protestos tivessem começado em 18 de Junho, com muitos automobilistas a buzinarem sempre que atravessavam a ponte, o bloqueio terá apanhado o Governo de surpresa.
"Isto apanhou o Governo desprevenido. Os membros do Governo já se tinham esquecido do que tinham decidido há cinco meses e aquilo caiu-lhes quase como um presente envenenado, porque se aproximavam eleições. Não era conveniente", disse Aristides Teixeira.
"Com Mário Soares [Presidente da República] a dizer que tínhamos direito a manifestar a nossa indignação, o Governo estava perfeitamente aflito, não sabia o que fazer e a decisão que tomou só podia ser a de suspender as portagens", acrescentou.
O bloqueio só viria a terminar ao final do dia, após uma carga policial que ocorreu depois de o então ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, ter aterrado de helicóptero na praça da Portagem e de ali ter permanecido durante algum tempo.
A carga policial que se seguiu provocou vários feridos. Um jovem, na altura apenas com 18 anos, foi atingido por um disparo de arma de fogo, que o deixou paraplégico, mas nunca se apurou quem tinha sido ao autor desse disparo.
Três dias depois do protesto, o executivo de Cavaco Silva acabou mesmo por suspender o aumento das portagens, até Setembro, enquanto os utentes e a Associação Democrática de Utentes da Ponte 25 de Abril, formalmente constituída já depois do bloqueio, reclamavam aumentos não superiores à taxa de inflação e soluções de pagamento com descontos significativos a partir de um determinado número de travessias da ponte. Algumas dessas soluções foram mesmo implementadas e ainda se mantêm em vigor. Mas em Setembro desse ano, os protestos e businão voltou. E havia quem pagasse a portagem com moedas de um escudo e outros com notas de 10 contos de réis, para desespero das pessoas das cabines da ponte que atendiam os automobilistas.
Embora os primeiros protestos tivessem começado em 18 de Junho, com muitos automobilistas a buzinarem sempre que atravessavam a ponte, o bloqueio terá apanhado o Governo de surpresa.
"Isto apanhou o Governo desprevenido. Os membros do Governo já se tinham esquecido do que tinham decidido há cinco meses e aquilo caiu-lhes quase como um presente envenenado, porque se aproximavam eleições. Não era conveniente", disse Aristides Teixeira.
"Com Mário Soares [Presidente da República] a dizer que tínhamos direito a manifestar a nossa indignação, o Governo estava perfeitamente aflito, não sabia o que fazer e a decisão que tomou só podia ser a de suspender as portagens", acrescentou.
O bloqueio só viria a terminar ao final do dia, após uma carga policial que ocorreu depois de o então ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, ter aterrado de helicóptero na praça da Portagem e de ali ter permanecido durante algum tempo.
A carga policial que se seguiu provocou vários feridos. Um jovem, na altura apenas com 18 anos, foi atingido por um disparo de arma de fogo, que o deixou paraplégico, mas nunca se apurou quem tinha sido ao autor desse disparo.
Três dias depois do protesto, o executivo de Cavaco Silva acabou mesmo por suspender o aumento das portagens, até Setembro, enquanto os utentes e a Associação Democrática de Utentes da Ponte 25 de Abril, formalmente constituída já depois do bloqueio, reclamavam aumentos não superiores à taxa de inflação e soluções de pagamento com descontos significativos a partir de um determinado número de travessias da ponte. Algumas dessas soluções foram mesmo implementadas e ainda se mantêm em vigor. Mas em Setembro desse ano, os protestos e businão voltou. E havia quem pagasse a portagem com moedas de um escudo e outros com notas de 10 contos de réis, para desespero das pessoas das cabines da ponte que atendiam os automobilistas.
Entre o princípio do fim do “cavaquismo” e o “direito à indignação” de Soares
Há 25 anos, à data do bloqueio, Portugal tinha saído de umas eleições europeias, em 12 de Junho, em que o PS ganhara ao PSD por uma margem mínima (meio ponto percentual). O que levou o então deputado do PSD Pacheco Pereira a ironizar com “a vitórinha” dos socialistas.
Há 25 anos, à data do bloqueio, Portugal tinha saído de umas eleições europeias, em 12 de Junho, em que o PS ganhara ao PSD por uma margem mínima (meio ponto percentual). O que levou o então deputado do PSD Pacheco Pereira a ironizar com “a vitórinha” dos socialistas.
Nessa altura, o país estava a ser governado, há nove anos, por Cavaco Silva e pelo PSD, com uma segunda maioria absoluta, conseguida nas eleições de 1991. Um resultado que apanhou de surpresa Mário Soares, o fundador e líder histórico do PS que chegou à Presidência da República em 1986, que, nessa altura, já criticara os tiques de autoritarismo da maioria laranja.
Depois de um primeiro mandato pacífico entre São Bento e o Palácio de Belém, as relações Cavaco-Soares azedaram e ganharam contornos de confrontação mais ou menos aberta, por exemplo, durante a chamada “Presidência Aberta” em 1993, em que o Presidente “destapou” casos de pobreza na região de Lisboa.
O bloqueio da ponte ditou mais algumas conversas tensas entre Cavaco Silva e Mário Soares, com o Presidente a criticar abertamente a estratégia do Governo na gestão da crise. E foi em 22 de Setembro que o Chefe do Estado falou e fez a defesa do “direito à indignação” dos cidadãos, no seminário “O Estado de Direito, o Advogado e a Proteção dos Direitos do Cidadão”.
Faltavam poucos meses para o final do ano e as legislativas estavam previstas para o outono de 1995, numa altura em que o PS já mudara de líder, em 1992, e era agora chefiado por António Guterres. Álvaro Cunhal era líder do PCP e Manuel Monteiro estava à frente de um CDS que gostava de ser chamado PP, de Partido Popular.
Depois de, em Maio de 1993, ter dito que não sabia se iria recandidatar-se nas eleições, em Outubro o semanário Expresso noticiou o famoso “tabu” e titulou: “Cavaco pode deixar a liderança do PSD”.
Cavaco Silva deixou mesmo o PSD, o partido e Fernando Nogueira perderam as eleições e Guterres e o PS, que se autointitulavam de “nova maioria”, ganhou as legislativas, com maioria relativa.
Os números da ponte 25 de Abril
A Ponte 25 de Abril foi inaugurada em 6 de Agosto de 1966, apenas com um tabuleiro rodoviário, e, tal como previsto desde o início da construção, acabou por ter também um tabuleiro ferroviário, a partir de 29 de Julho de 1999, por onde circulam diariamente mais de uma centena de comboios.
Ao nível do fluxo rodoviário, em 1970 atravessaram a ponte cerca de seis milhões de veículos (6.133.000), enquanto em 2015 foram mais de 50 milhões de viaturas (50.564.545).
Porém, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), foi em 2005 que se verificou a mais elevada afluência de que há registo, com a circulação de mais de 57 milhões de viaturas (57.028.695).
Quando a ponte foi inaugurada, em 1966, o preço da portagem para uma viatura de classe 1 era de apenas dez escudos. Atualmente, o mesmo tipo de viaturas paga 1,85 euros (o equivalente a cerca de 370 escudos na antiga moeda portuguesa) pela travessia, no sentido sul-norte.
A agência Lusa tentou ouvir o então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, que desde 2008 é membro não-executivo do conselho de administração da Lusoponte, mas não foi possível.
Depois de um primeiro mandato pacífico entre São Bento e o Palácio de Belém, as relações Cavaco-Soares azedaram e ganharam contornos de confrontação mais ou menos aberta, por exemplo, durante a chamada “Presidência Aberta” em 1993, em que o Presidente “destapou” casos de pobreza na região de Lisboa.
O bloqueio da ponte ditou mais algumas conversas tensas entre Cavaco Silva e Mário Soares, com o Presidente a criticar abertamente a estratégia do Governo na gestão da crise. E foi em 22 de Setembro que o Chefe do Estado falou e fez a defesa do “direito à indignação” dos cidadãos, no seminário “O Estado de Direito, o Advogado e a Proteção dos Direitos do Cidadão”.
Faltavam poucos meses para o final do ano e as legislativas estavam previstas para o outono de 1995, numa altura em que o PS já mudara de líder, em 1992, e era agora chefiado por António Guterres. Álvaro Cunhal era líder do PCP e Manuel Monteiro estava à frente de um CDS que gostava de ser chamado PP, de Partido Popular.
Depois de, em Maio de 1993, ter dito que não sabia se iria recandidatar-se nas eleições, em Outubro o semanário Expresso noticiou o famoso “tabu” e titulou: “Cavaco pode deixar a liderança do PSD”.
Cavaco Silva deixou mesmo o PSD, o partido e Fernando Nogueira perderam as eleições e Guterres e o PS, que se autointitulavam de “nova maioria”, ganhou as legislativas, com maioria relativa.
Os números da ponte 25 de Abril
A Ponte 25 de Abril foi inaugurada em 6 de Agosto de 1966, apenas com um tabuleiro rodoviário, e, tal como previsto desde o início da construção, acabou por ter também um tabuleiro ferroviário, a partir de 29 de Julho de 1999, por onde circulam diariamente mais de uma centena de comboios.
Ao nível do fluxo rodoviário, em 1970 atravessaram a ponte cerca de seis milhões de veículos (6.133.000), enquanto em 2015 foram mais de 50 milhões de viaturas (50.564.545).
Porém, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), foi em 2005 que se verificou a mais elevada afluência de que há registo, com a circulação de mais de 57 milhões de viaturas (57.028.695).
Quando a ponte foi inaugurada, em 1966, o preço da portagem para uma viatura de classe 1 era de apenas dez escudos. Atualmente, o mesmo tipo de viaturas paga 1,85 euros (o equivalente a cerca de 370 escudos na antiga moeda portuguesa) pela travessia, no sentido sul-norte.
A agência Lusa tentou ouvir o então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, que desde 2008 é membro não-executivo do conselho de administração da Lusoponte, mas não foi possível.
Agência de Notícias com Lusa
Foto: Orlando Teixeira/Arquivo DN
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