Impressões Digitais por Paulo Jorge Oliveira - Bora Lá Pinhal Novo

A ditadura do medo e a "mostra simbólica" da nossa cultura  

Quero começar por partilhar que, para mim, arraiais, espetáculos, diversão, são manifestações culturais. E como manifestações culturais que são, devem merecer a mesma atenção e o mesmo planeamento que todas as outras. Porventura são aquelas cujo planeamento se reveste de maior complexidade, mas isso não nos deve deter nem "matar" as tradições.  Há quase ano e meio que Pinhal Novo não tem cultura ou espetáculos. Não tem aplausos nem sorrisos. Não tem festas nem a alegria que nos enche o coração [declaradamente] caramelo. Tem ruas cheias de pessoas apressadas, assustadas e ávidas de vida. Ainda tem sol, mas não tem cultura caramela. Mas ainda que fechado sobre si mesmo, ainda somos Pinhal Novo.  Ainda somos uma comunidade aberta. Afinal, em cada praça deserta de cultura, em cada porta despida de alegria, a "vontade de fazer" ainda resiste. Somos aquilo que um dia alguém disse: "Pinhal Novo nunca nos falha". Somos afinal caramelos de ir e vir e, sobretudo, caramelos de fazer acontecer.  E o que vai acontecer nos próximos dias é um evento cultural [que lembra a data das festas maiores da freguesia] a para ajudar aqueles que deixaram de tocar, cantar, produzir, de abrilhantar a nossa e as outras localidades. No entanto há muitas vozes que criticam o evento. Há uma perversidade, maldizente e obsessiva, que ultrapassa aquilo que devia ser do interesse de todos e isso, sinceramente, indigna-me. O verdeiro Pinhal Novo não é assim. 
Evento está montado para ter 11 espetáculos em segurança

Precisamos de planear o desconfinamento. E planear desconfinamento é também planear o regresso às atividades em massa. Dito isto, quero dizer que sou dos que entende que, com as informações que hoje dispomos, é impossível realizar as Festas Populares da forma como sempre as conhecemos. Mas também sei que isso nunca esteve em cima da mesa quer da organização nem de nenhuma outra entidade local ou nacional.
É verdade que a matriz de risco pode estar desadequada à realidade que vivemos. Desde logo porque o índice de transmissibilidade tinha maior relevância quando a taxa de mortalidade era elevada. Hoje, fruto do esforço de confinamento de todos e da chegada da vacina (administrada à população com mais de 50 anos, onde a taxa de mortalidade era elevadíssima), o número de mortes diárias diretamente relacionadas com este vírus reduziu para mínimos históricos. Porém, significará isso que o pior já passou e que podemos relaxar e regressar a 2019?
Ninguém de bom senso poderá afirmar tal coisa. Não se sabe o impacto das variantes e, sobretudo, não temos certezas definitivas quanto à eficácia da vacina. No entanto, também não significa que tenhamos de continuar confinados. Equilíbrio e planeamento são as chaves mestras para a nossa vida em comunidade, nos tempos estranhos de pandemia que vivemos.
Chegado aqui há que perguntar o seguinte à população do Pinhal Novo. Para quê tantas críticas destrutivas e qual a verdadeira razão de tanto histerismo coletivo como se o mundo fosse acabar no final do dia 13 de Junho?
Porque manifestam tanto ódio e amargura? Conscientes ou ignorantes, deliberados ou idiotas úteis, as redes sociais estão cheios de gente assim, muito agressiva e quase nada pró-ativa. 
Mas esses que tanto criticam são afinal os mesmos que comemoraram a festa de um campeonato de futebol nas nossas ruas, sem regras nem distanciamento social. São os mesmos que caminham em grupos sem máscaras nas ciclovias, os que vão para as esplanadas e juntam-se uns aos outros sem respeito por quem cumpre as regras. Aqueles que se juntam às portas das escolas para irem buscar os filhos, mais uma vez sem regras nem civismo público. Os que atiram as máscaras para o chão e se queixam da falta de limpeza das nossas ruas ou aqueles que, simplesmente, ocupam os passeios às portas dos cafés na conversa em grupo e, mais uma vez, sem regras. 
Há grupos de pessoas que se juntam depois do encerramento dos restaurantes, há festas clandestinas, porque simplesmente é difícil perceber os sinais contraditórios que o governo e as autoridades de saúde transmitem.
E depois dos exemplos mais recentes que vivemos, como podemos pedir a quem perdeu a sua vida cultural, o emprego, o seu ganha pão há meses que continue trancado e a abdicar do reencontro com a vida?  
Porque continua a haver um setor que não sabe o que é isso há mais de um ano. Não sei se será visto pelos governantes como uma espécie de ovelha negra da economia, mas o setor da animação queixa-se, e com razão, de estar a ser vítima de uma discriminação inexplicável.
Depois do que vimos no passado fim de semana na Ribeira do Porto – ingleses a conviver sem máscara, a beber alegremente e a andar à pancada ainda mais alegremente –  temos o dever de questionar por que motivo a uns é permitido tudo e a outros não é permitido nada.

Os exemplos dos outros... 
Enquanto cá se discute um evento, em Corroios a festa abriu portas
E não é preciso ir tão longe: em Maio, no mesmo local [largo José Maria dos Santos], festejou-se com regras, o Mercado Caramelo, sem problemas nem polémicas. Aqui ao lado, festejou-se a feira de Maio, na Moita, a Festa da Flor, no Montijo, um festival de música com diversas bandas no Seixal. Esta quinta-feira arrancou o Mercado Medieval em Terras de Corroios [com dezenas de roulotes de comida e bebidas] e o Mercado do Bairro, no Monte Belo [em Setúbal], entre outras feiras, eventos ou festas que vão acontecendo e que são autorizadas. Afinal, as regras são claras e depende de cada um de nós para correr bem. E correu bem em todas. 
Por cá resta o medo, o terror dos ajuntamentos [que já são prática por cá desde Março de 2020], o histerismo doentio, como se o mundo tivesse parado de girar para sempre. 
Ora, o caramelo não é isso. Esta "ditadura do medo" envergonha os verdeiros caramelos, homens e mulheres fortes, rijos e com mãos calejadas pelo trabalho duro, pelo desafio permanente. Basta pesquisar na história e ver fotografias de Manuel Giraldes da Silva, tiradas em 1920 - altura que uma outra pandemia [gripe espanhola] matou milhares de pessoas - onde se vê o povo, as pessoas em clima de festa no então mercado do gado, entre a capela de São José e o busto de José Maria dos Santos. Estes são os verdadeiros caramelos, aqueles que enfrentam os problemas e não se assustam por ter uma dúzia de espetáculos culturais para ajudar o movimento associativo ou para animar as nossas gentes.  Antes de agarrar as teclas do telemóvel ou do computador, com a fúria de dizer mal, parem um pouco e pensem de forma clara.  
O Bora Lá Pinhal Novo é sobretudo um ato de cultura, um ato de resistência e uma forma de fidelidade aos nossos valores e de reidentificação do nosso património cultural que deve ser lembrado e valorizado. Restitui sons, cheiros, ritmos e rituais que nos ligam à própria fundação de Pinhal Novo. 
O Bora Lá Pinhal Novo não se limita a ser - apenas e só - mais um evento. Afirma-se como uma viagem por um certo setor que resiste, subsiste e persiste em não se deixar matar. A tradição das nossas associações locais alia-se a outros ritmos para manter o que os habitantes sentem como "sagrado", que faz parte das nossas "origens". Não perceber isso é não entender o básico da nossa terra. 
Não há festas, mas pode  e deve haver um ato simbólico que nos lembre a nossa identidade como  comunidade e como herdeiros de uma cultura muito própria. 
Sendo impossível realizar as Festas Populares é possível realizar concertos e espetáculos culturais com toda a segurança. Porque sabem, a vida já "abriu". 
Termino com um agradecimento a todos que, mesmo insultados diariamente pelos "heróis das redes", continuam a trabalhar para uma vila mais rica culturalmente, para alavancar a economia local e para manter vivas as nossas origens. E são dos poucos que o fazem por cá. E você, o que já fez pela sua terra hoje? 
 
Paulo Jorge Oliveira 

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